A tentação do cristianismo


Li este livro, “A tentação do cristianismo” (Objetiva: 2011), que é muito interessante. Trata-se da transcrição de um debate ocorrido na Universidade de Sorbonne, em Paris, em 2008, entre Lucien Jerphagnon e Luc Ferry, o primeiro é professor de filosofia antiga e medieval e denomina-se “agnóstico místico” e o segundo é filósofo e ex-ministro da Educação na França se diz apenas um “não crente”.

Todavia, o livro revela de uma forma singular a beleza do cristianismo. O livro é dividido em duas grandes perguntas: 1) Por que o cristianismo do ponto de vista dos Romanos? Respondido por Lucien Jerphagnon; 2) Por que a vitória do cristianismo sobre a filosofia grega? Respondida por Luc Ferry.

Ao final consta um brevíssimo relato de um diálogo entre os palestrantes e platéia presente. O mote que conduz o livro é a indagação básica de que a verdade da religião deixou de ser evidente e de impor sua lei, todavia, é inevitável concluir também que o cristianismo é a base da cultura ocidental, logo, para se entender o desencanto ou não do mundo atual, com o risco até de desculturação, é preciso compreender o cristianismo no diálogo com o mundo grego e romano.

O ponto alto do livro a meu ver está nas reflexões de Luc Ferry a partir da idéia do amor de Deus em Simone Weil, também a interpretação que faz da “parábola dos talentos”, a questão da ressurreição “gloriosa do corpo”, e por fim, a leitura que faz das Cartas Paulinas (Apóstolo Paulo), que também é fartamente trabalhada como nesta passagem:

- “Um deus que se deixa crucificar: escândalo para os judeus que não podem aceitar a idéia de que um deus seja tão fraco que se deixe martirizar por simples humanos, e loucura para os gregos, segundo os quais o divino não poderia se reduzir a um indivíduo, já que ele é a própria estrutura do universo” pág. 72.

Para Luc Ferry, com o advento do cristianismo, “qualquer doutrina filosófica será a partir deste momento doutrina de salvação sem Deus”. Daí porque a promessa cristã da salvação – desde que se creia nela, por óbvio – é muito superior à promessa da salvação filosófica. Diz Ferry, “penso que foi assim que o cristianismo venceu”. Pág. 97.

Saio da leitura mais crente do que entrei, e mais humilde frente ao mistério da fé.

Comentários

Leonardo disse…
Ainda não tive a oportunidade de ler o referido livro. Posso estar equivocado, mas das resenhas que li a respeito dele lembrei-me de um outro livro, do britânico John Gray, chamado "Cachorros de Palha: Reflexões Sobre Humanos e Outros Animais". Embora o texto seja um tanto quanto corrosivo e pessimista, com certos ataques à crença e a tentativa de desconstruir alguns aspectos da filosofia ocidental, Gray chama à atenção de que o Humanismo (ponto de partida para a secularização que o mundo ocidental vem vivenciando desde o findar da Idade Média) deita suas raízes mais profundas em ninguém menos do que o próprio Cristianismo. Pois, a dita busca pela verdade, tão preconizada na ciência, foi legada pelo Cristianismo (como descrito no Estadão.com: "O Deus encarnado em Cristo representou uma espécie de emancipação do homem, e a grande novidade do cristianismo – sua “tentação” – é o amor").

Em um dos itens do livro, intitulado "Ateísmo, a última conseqüência do cristianismo", John Gray assim assevera:
"A descrença é uma jogada num jogo cujas regras são estabelecidas pelos que crêem. Quando essas categorias caem em desuso, a descrença torna-se desinteressante e, em pouco tempo, sem sentido. Os ateus dizem que querem um mundo secular, mas um mundo definido pela ausência do deus cristão continua sendo um mundo cristão. O secularismo é como a castidade, uma condição definida pelo que é negado. Se o ateísmo tem futuro, só pode ser numa revivificação cristã; mas de fato o cristianismo e o ateísmo estão declinando juntos.
O ateísmo é um fruto tardio da paixão cristã pela verdade. Nenhum pagão está pronto para sacrificar o prazer da vida em troca da mera verdade. Prezam a ilusão artificial, não a realidade despida de enfeites. Entre os gregos, a meta da filosofia era felicidade ou a salvação, não a verdade. A adoração da verdade é um fruto do culto cristão.
Os antigos pagãos estavam certos ao estremecer dianta da assustadora determinação dos primeiros cristãos. Nenhuma das religiões de mistério que abundavam no mundo antigo pretendiam o que os cristãos afirmavam - que todas as outras crenças estavam erradas. Por isso mesmo nenhum de seus seguidores poderia algum dia tornar-se ateu. Quando os cristãos insistiam que apenas eles possuíam a verdade, condenavam a extravagante abundância do mundo pagão à danação final.
Num mundo de muitos deuses, a descrença nunca pode ser total. Pode apenas significar a rejeição de um deus e a aceitação de outro ou, como no caso de Epicuro e seus seguidores, a convicção de que os deuses não importam, já que há muito deixaram de se importar com as questões humanas.
O cristianismo atingiu, na raiz, a tolerância pagã à ilusão. Ao sustentar que existe apenas uma única fé verdadeira, deu à verdade um valor supremo que não tinha tido antes. E também tornou possível, pela primeira vez, a descrença no divino. A conseqüência de efeito retardado da fé cristã foi uma idolatria da verdade que teve sua mais completa expressão no ateísmo. Se vivemos num mundo sem deuses, devemos agradecer ao cristianismo." (p. 142-143).

Dentre outras coisas, Gray também afirma que o humanismo moderno é a fé de que através da ciência a humanidade pode conhecer a verdade e, assim, ser livre. Para ele, um ledo engano. O humanismo caracteriza-se por uma crença num falso progresso. Em tom pessimista, alega que tal crença, baseada, por vezes, num fundamentalismo científico, jamais alcançará seu propósito, uma vez que nunca o homem será capaz de dominar seu próprio destino.

Postagens mais visitadas deste blog

Poema esquisito - Adélia Prado

O homem em oração - Bento XVI