Direito e religião - união estável homoafetiva

Ontem o Juiz Jeronymo Villas Boas, de Goiânia, falou ao programa Fantástico da TV GLOBO, sobre sua decisão que contraria o STF no caso da união estável homoafetiva.

Realmente, o compromisso de um magistrado deve ser com a Constituição. A liberdade intelectual do magistrado é tanta, que a própria Constituição admite que um magistrado possa decidir contra um posicionamento do STF – Supremo Tribunal Federal, desde que a decisão contrariada do STF não seja vinculante, como é o caso em enfoque.

Noutro dizer, o STF reconheceu sim, a união entre iguais, porém, tal decisão é um precedente que não vincula os magistrados de todo o país, senão sinaliza qual é o posicionamento da Corte Suprema. O natural é que todos os juízes do país a sigam, todavia, os juízes têm liberdade intelectual e funcional para não segui-la, foi o que o fez Villas Boas em Goiânia. Há algum absurdo jurídico nisto? Nem tanto.

Já escrevi, escudado nas lições de Goffredo Telles Júnior, “que cada ser humano possui eu próprio universo cognoscitivo, isto é possui seu próprio universo cognoscitivo, isto é possui um conjunto ordenado de conhecimentos, uma estrutura cultural, que é seu próprio sistema de referência, em razão do qual atribui a sua significação às realidades do mundo. Toda realidade pode ser objeto do conhecimento. Mas o conhecimento de uma realidade está sempre condicionado pelo sistema de referência do sujeito conhecedor” “Fundamentos do Dever Tributário” Del Rey: Belo Horizonte, 2003, pág. 8.

Enfim, todos nós que atuamos no Direito temos nosso sistema de referência (somos cristãos ou não, flamenguistas ou não, preconceituosos ou não, democratas ou não, progressistas ou não, homossexuais ou não), ou seja, nossas convicções e nossa forma de ver o mundo, o que nós não podemos é interpretar o Direito fora do Texto Constitucional. Isto o Juiz Villas Boas definitivamente não o fez. Pelo contrário, à luz da literalidade do Texto Constitucional a decisão do magistrado goiano é sustentável, pelo menos segundo sistema de referência adotado por ele.

O mais confortável e até mesmo razoável para os magistrados de instâncias inferiores é seguir o paradigma do STF, ainda que não vinculante, mas, Villas Boas preferiu não fazer, e daí, está errado? Não. É a sua liberdade intelectual que está em jogo. Garantir a liberdade intelectual dele, julgador, é em última análise, garantir também a nossa, jurisdicionados.

Durante a entrevista, passou um trecho onde foi ouvido também o Ministro Luiz Fux do STF, que falou claramente que o Juiz Villas Boas poderá sofrer sanções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) por estar deixando de seguir decisão do STF. Acho difícil isto acontecer, mas vamos aguardar os desdobramentos.

Parece-me, todavia, que a posição de Villas Boas é personalíssima e isolada, de maneira que deve ser vista apenas como um dissenso democrático válido, porém, sem efeitos para os beneficiados diretamente pela decisão do STF, já que o sistema jurídico como um todo irá reconhecer o legítimo direitos dos homossexuais de se casarem no civil, mediante o instituto da união estável.

Divirjo da posição jurídica do juiz Villas Boas. Ninguém escolhe ser homo ou heterossexual. A pessoa nasce assim. E, neste sentido, mesmo à luz do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, o STF também agiu bem em reconhecer o direito dos homossexuais à união estável, mediante uma interpretação sistemática do Texto Constitucional, que foi escrito – diga-se de passagem - segundo a “proteção de Deus” como está em seu preâmbulo. Afinal, tomos somos filhos de Deus, chamados à comunhão com Ele e com o próximo, e por fim, destinatários de sua graça.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poema esquisito - Adélia Prado

O homem em oração - Bento XVI