Os pés de Virginia


Moacir era um namorador irremediável. Pegava todas, e não se apegava em nenhuma. Com algumas até tentava namorar, mas a sua aptidão era “ficar”. Bonito, jovem, sarado, inteligente, meigo e de fácil conversa, Moacir era desejado por todas as mulheres de sua área.

Era uma tarde de sábado, Moacir saía de uma quadra de esportes junto de seus colegas de futebol. Vinham batendo papo, rindo às gargalhadas, comentando os gols feitos, perdidos, e os frangos de Xandão, goleirinho ruim que nem só ele. Tudo estava transcorrendo sem maior destaque ou lembrança especial, até que Moacir viu a aproximação de Virginia.

Virginia era uma belíssima jovem, de família conceituada em sua cidade, de estatura mediana, lindos cabelos curtos e louros, e o que até então Moacir não notara: pés lindos. Virgínia estava de bicicleta, short curto, pernas torneadas, usava uma havaiana slim alva e as unhas dos maravilhosos pés pintadas com o esmalte cor renda.

Eles já se conheciam mas, não se notavam. Virgínia parou deu dois beijinhos em Moacir, e foi só. No entanto, a partir daquela tarde Moacir nunca mais foi o mesmo. À noite, como de hábito “ficou” com diversas garotas, mas curiosamente, passou a ter o desejo de fazer algo que antes não o despertava: olhar para os pés delas. Assim foi se sucedendo, Moacir buscava em todas as suas “ficantes” alguma que fizesse lembrar-se daquele instante único que vivera diante dos pés de Virgínia. Mas, tudo era em vão, os pés se sucediam e o vazio permanecia.

Por outro lado, Moacir passou propositalmente a frequentar os mesmos lugares aonde Virginia também ia. Coincidência ou não, Virgínia sempre estava de sandálias, rasteiras ou altas, mas sempre com os pés expostos e com as unhas pintadas de esmalte cor renda. Moacir com toda sua beleza começou a assediá-la. Não cabia no horizonte de Moacir outra mulher, senão Virginia, ou quem sabe, os pés de Virginia.

Um dia, Moacir que era corajoso com todas as mulheres, menos com Virginia, resolveu declarar-se a ela, e mais, após tomar alguns goles em excesso, confessou abertamente a Virginia que ficara encantado desde a primeira vez com a sua beleza e em especial, pelos seus lindos pés e seu esmalte renda. Virginia sorriu boquiaberta com o absurdo da esdrúxula cantada, mas gentilmente declinou de “ficar” com ele. Moacir sentiu remorso de ter confessado a ela a sua afeição apaixonada por seus pés, debitou a tanto a recusa dela e se penitenciava por isso.

O tempo passou Moacir foi para um lado e Virginia, para o outro. Moacir desta feita namorou tantas outras, e Virginia, linda como sempre, também fez o mesmo. Um dia, anos após se encontraram coincidentemente na saída de uma boate. Virgínia exausta, com as sandálias nas mãos e os pés com o mesmo esmalte cor renda de outrora, aceitou o convite de Moacir para que este a acompanhasse até seu apartamento. Ficaram próximos a entrada do prédio, sentados em uma mureta, conversando até o amanhecer do dia. Na hora da despedida, Virginia sorrindo disse a Moacir: − nenhum homem até hoje repetiu aquela cantada que você me deu anos atrás. Moacir aproximando-se dos lindos lábios à la Angelina Jolie, de Virginia, disse quase que murmurando: − pois o tempo só o fez ficar mais lindos. E beijaram-se como nunca.

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