Dequinho está na UTI
Acabara de entrar no elevador em meu prédio. No andar mais abaixo entrou um conhecido meu – sequer sei o seu nome – e me disse com um olhar e uma voz consternada: − o dequinho está na UTI, quem poderia imaginar? E continuou: − também o dequinho estava enorme, não fazia exercícios, de maneira que estava procurando confusão mesmo.
Chegamos ao térreo, nos despedimos e eu fiquei cá com os meus botões, quem será o tal do dequinho? Talvez dequinho seja um conhecido meu quem sabe dequinho não seja torcedor do fluminense? Quiçá dequinho goste de livros, de literatura, de cinema? O que na verdade eu queria era entender aquela dor doída do meu colega de elevador.
A vida é assim quando a dor dói mesmo, confessamos até a estranhos (ou, quase estranhos), os nossos mais puros sentimentos, independentemente deles serem analistas ou padres, para tanto, basta a proximidade. O colega do elevador encontrou naqueles segundos em que passamos juntos, uma forma de desabafar a sua angústia pela internação do dequinho, e eu ali ao lado dele, fiz igual aquele sujeito que entrou no velório errado e deu conta disto logo depois, fiquei em silêncio, balançando a cabeça em tom de tristeza, e pensando no recôndito do meu ser, quem será o tal do dequinho?
Ao retornar ao meu apartamento, minutos depois, me deu uma vontade louca de saber quem era afinal o querido dequinho, mas não tive coragem de sequer perguntar ao porteiro onde moro quem é aquele sujeito que desceu no elevador comigo. Vá lá que o dequinho seja de fato tudo isto que eu imaginei por instantes – um sujeito tricolor, amante dos livros e de uma boa leitura e um bom papo de futebol, boa praça, com filhos em idade pequena para serem criados – enfim, eu iria ficar muito triste como aquele colega do elevador.
Me acovardei, fiz-me ser humano, fingi que não sabia que dequinho estava na UTI.
Veríssimo ensina que não devemos buscar angústias para a nossa vida. Que ela venha, venha, mas, por favor, não a busquemos graciosamente. Assim eu fiz, rezei uma breve oração pela saúde do dequinho e fui continuar a ler um livro que me esperava também com um olhar lamurioso como daquele sujeito do elevador, grande amigo de dequinho. Deus abençoe dequinho e que ele saia o mais rápido possível da UTI, com saúde e muita disposição, afinal, o que vale na vida são as amizades verdadeiras, e isto sim, eu vi no olhar do colega do elevador.
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