Olhando o filme de Woody Allen


A meu ver os encontros mais marcantes no filmeMeia-Noite em Paris” de Woody Allen, são aqueles que envolvem o personagem-escritor Gil Penderator principal no filme ─ e o personagem do falecido escritor norte-americano, Ernest Hemingway (1899-1961).

Hemingway sempre incisivo é firme em não passar a mãozinha sobre a cabeça de Gil Pender, que quer uma afirmação de ser ele um escritor ou não. É sempre aquele dilema humano tão bem retratado por Allen, a busca do outro como afirmação de nossos desejos.

Gil Pender ─ angustiado como sói acontecer com os personagens de Allen ─ oferece a Hemingway um manuscrito de seu trabalho e pede que ele analise se o “livro” é bom ou não. Hemingway na lata diz: ─ um escritor ou entende que o livro do outro é ruim, ou se entender que é excelente, por mais razão ainda diz que é ruim, porque não quer competição. Os escritores são muito competitivos ─ arremata o personagem de Hemingway.

Digo eu, viver é muito competitivo e as feras nos espreitam.

São estes diálogos, sempre presentes nos filmes de Woody Allen, que fazem dele o gênio que é. Nenhuma palavra está em vão nos seus filmes, cada cena, cada diálogo, tudo significa, tudo é importante, e tudo é uma leitura fiel da vida sob o seu particular olhar. Allen assumi a dura realidade e responsabilidade de sua existência. E nós, como estamos neste particular? Ih, sei não...

Woody Allen com isto nos ensina que cada um tem o seu viver, próprio, uno, indecifrável, singular, e pessoalíssimo. O outro é para nós sempre o outro, com a sua mesma singularidade. Amamos o outro, ou não, pela sua singularidade diante de nós, e jamais pelas similitudes, que ainda que existam, são mais assimetrias do que concordâncias.

Gil Pender quer alguém para atestar o seu talento de escritor, Allen é gentil com ele e o leva para a Paris dos anos 20, e o coloca entre os talentos daquela geração. Allen assim o faz não parasolucionar” o “problema” de Gil Pender, mas sim, para nos mostrar o quanto somos complexos em nossos desejos em relação ao outro e em relação a nós mesmos.

O outro de fato não me faz escritor, o que me faz escritor é o fato de escrever, puramente isto. É pouco, é, mas é o que é. Gil Pender se não se descobriu um escritor ao olhar do outro, pelo menos encontrou ao final alguém interessado em seu desejo, e foi junto dela caminhar por Paris, tomar banho de chuva e conversar sobre Cole Porter. O amor do outro tem essa função quase impossível de nos fazer crer em nós mesmos. Há um livro meu em que escrevo nos agradecimentos iniciais: “educar é crer no outro”. Continuo pensando assim. Por isso não é em vão que o Evangelho de João diga enfaticamente, “Deus é amor!”.

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