Terremoto e Deus


O terremoto do Japão e a tsunami como sua consequência, acidentes naturais que mataram mais de 9 mil pessoas na província de Miyagi e deixaram mais de 290 mil desabrigados é uma oportunidade ímpar para uma reflexão sobre a presença de Deus no mundo.

Lembremos também que no longínquo ano de 1755 ocorreu um terremoto devastador em Lisboa, seguido de uma tsunami impiedosa como a do Japão. Estima-se a morte de mais de 25 mil lisboetas numa população de 250 mil habitantes. Na ocasião, Lisboa era considerada a mais religiosa nação européia. A tragédia ocorreu justamente em 1º/11/1755, dia em que a Igreja Católica comemora o feriado de “Todos os Santos”. As igrejas estavam repletas e muitos e muitos fiéis morreram soterrados dentro dos templos, ou carregados pelas ondas gigantes.

A tragédia repercutiu no campo filosófico e teológico de então. Filósofos como Kant, Voltaire aproveitaram a tragédia para pensarem criticamente e até de forma mordaz a condição humana frente a Deus. Contra o otimismo até então vigente e a crença na providência divina, surgiram teorias do caos ou pessimistas como Voltaire. Aliás, sobre o terremoto disse Voltaire, “Que jogo de azar é a vida humana! Quero acreditar que (...) os inquisidores tenham sido esmagados (...). Enquanto alguns santarrões embusteiros queimam alguns fanáticos; a terra se abre e engole a todos igualmente” (Cf. “O abalo que mudou um país” Miguel Conde, Globo, 19/03/2011, p. 49).

Voltaire externava assim o seu sarcasmo com o fato de que a natureza não escolhia entrebonsoumaus”, mas sim atingia igualmente todos com a sua força cega. Impulsionado por estas idéias Voltaire escreveu “O filósofo ignorante” e “Candido ou o otimismolivros que são encontrados com facilidade na internet. Pois bem, Voltaire analisando o terremoto de Lisboa à luz de Deus, concluiu: ou Deus quer impedir o mal e não pode (não é onipotente); ou pode e não quer (não é bondoso); ou nem quer e nem pode (não é bondoso e nem onipotente). Enfim, se quer e não pode, não é Deus; e se pode e não quer, não é bondoso. Com este raciocínio Voltaire pensava ter derrubado a idéia de Leibniz de que Deus é “Bondoso” e “onipotente”.

O sofrimento humano na terra sempre foi um tema instigante para os homens de todos os tempos. O Livro “sapiencial” de Jó no Antigo Testamente é paradigmático no trato do tema do mal no mundo. Jó, servo fiel de Deus, homem exemplar é tentado por Satanás - que alegava que era fiel porque as coisas corriam tudo bem com ele - com a anuência de Deus, desde então sofreu barbaridades e chegou ao ponto de questionar Deus e sua justiça. A certa altura do livro, Deus redargúi Jó: “Queres anular o meu julgamento, condenar-me para te justificar?”. Ao fim, Jó chega à conclusão de suas misérias frente a Deus, e que deve escolher entre a afirmação de sua própria justiça e a adoração incondicional da justiça divina, é pela negação da sua justiça-diante-de-Deus que ele tem acesso à justiça-segundo Deus, ensina J. Lévêque (Henri de Ternay. “O livro de Jó – da provação à conversão, um longo processo”. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 300/301).

Assim como Jó se deu conta de que não podia mais buscar indefinidamenteter razão diante de Deus”, que é o único a poder assegurar no seu amor a salvação da humanidade, assim também nós ontem e hoje somos chamados diante destes terremotos a reverenciar a nossa incompreensibilidade diante dos desígnios de Deus. Ter é dar este salto, como diz Santo Agostinho, “crer para compreender”. De fato, quase nada é claro no mistério da existência humana, diante do sofrimento humano devemos ter a humildade de saber calar e chorar, assim como fez Nosso Senhor Jesus Cristo diante da viúva de Naim e diante do túmulo de Lázaro. Nosso Senhor não chorou diante do sofrimento, agiu. A prova disto está nas curas, milagres, exorcismos, isto é, vitórias sobre o mal e o sofrimento no mundo perpetradas por ele ontem, e hoje.

Efetivamente, como bem pontifica o Santo Padre João Paulo II, “Cristo não explica abstratamente as razões do sofrimento; mas, antes de mais nada diz: “Segue-me!”. Vem! Participa com o teu sofrimento desta obra de salvação do mundo.” (Carta Apostólica “Salvifici Dolores”, p. 57). Vale dizer, Voltaire não detinha a necessária paracompreenderDeus, e sem não se “compreende” Deus. Por fim, se Nosso Senhor Jesus Cristo não explica o sofrimento oriundo destes terremotos em Lisboa e no Japão, acresce a eles uma luz nova ao vencer a morte pela ressurreição que se aproxima na scoa que celebraremos no mês que se avizinha.


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