O valor do fracasso


Vendo o programa “Espaço aberto literatura” deparei-me com uma reflexão valiosa do escritor José Castello defendendo a importância do fracasso. Enfim, lucidez! A consciência do valor do fracasso poupa vidas. Se o povo japonês – com a sua humildade congênita – não se prepara frente à fúria da natureza que reina em seu território, a cada terremoto o Japão estaria liquidado.

Todavia, é o contrário, quanto mais à natureza se torna ameaçadora, estampando o fracasso do homem, mais o Japão evolui em tecnologia e armas de prevenção ao grande desastre natural. Não é a soberba que move o japonês, ao revés, é a humildade frente à natureza.

O mundo atual perdeu a noção do “valor do fracasso”. Numa geração em que só o sucesso vale, só o sucesso dá status, não há como lançar um olhar de modo diferente. Mesmo nas redes sociais – twitter, facebook, blogs – triunfa a imagem do sucesso, ninguém conta derrota, só vitória. A derrota, o fracasso, traz a possibilidade de rejeição, e ninguém quer ser rejeitado.

Neste período de Quaresma, onde a penitência é tão importante para nos reconciliarmos com Nosso Senhor Jesus Cristo, quanta falta nos faz, reconhecer o valor do fracasso. Só quem reconhece o seu fracasso pode pedir perdão a Deus, só quem admite o fracasso pode entender o sentido real e efetivo do pecado.

Viver à margem do fracasso é pueril. O fracasso mostra-nos que somos incompletos, que somos seres em construção. A vitória é importante, mas ilude. Ao “eliminarmos” a possibilidade do fracasso em nossas vidas, mais criamos confusão do que resolvemos problemas.

Muitos até hoje não aceitam que Nosso Senhor Jesus Cristo tenha morrido na cruz, e gritam: - por que até Ele precisou sofrer? Porque assim é a vida, o sofrimento faz parte da vida. A morte na cruz foi um “fracasso” necessário, sem ela estaríamos até hoje nas trevas do pecado original. Poucos querem entender isto no mundo atual.

Há também o chamado “fracasso comunicativo”, ou seja, digo algo e você entende outra coisa totalmente diversa. Quem não conhece este fracasso? Os namorados, os casais, os amigos... tantas e tantas brigam que se iniciam e terminam por força e obra do “fracasso comunicativo”.

Cora Rónai, jornalista do “Globo” (10/03/2011), conta-nos que certa feita hospedada no Hotel Tívoli em Lisboa-POR, chamou a camareira e pediu mais travesseiros. – Mas quer travesseiros ou almofadas? – Qual a diferença? – As almofadas são menores, já os travesseiros são maiorzinhos. – Então, me traga travesseiros. – Pois, mas travesseiros não os temos...

Tem mais de Cora Rónai. Outra vez, chegando atrasada para um encontro com amigos no mesmo Hotel Tívoli, perguntou se havia algum banheiro no térreo, para não ter que subir ao quarto. – Sim – respondeu o senhor da recepção. – Desça este lance de escadas. Desceu e de fato lá estavam os banheiros... fechados! Subiu de novo as escadas e voltou à recepção. – Os banheiros estão em obras! – Sim, estão – confirmou o senhor da recepção. – Não podem ser usados.
Com estes dois “fracassos comunicativos”, diz Cora Rónai que aprendeu a melhor formular perguntas ao povo português.

Enfim, o fracasso tem um forte valor pedagógico em nossas vidas, eliminá-lo como quer a sociedade atual é sinal de um fracasso social. Quanto mais consciência tenhamos do valor do fracasso mais teremos possibilidade de crescermos enquanto seres humanos. Uma boa dose de humildade é um santo remédio...

Por isso ainda são válidas e atuais as palavras do “príncipe das crônicas” ditas no longínquo ano de 1955, “Houve um tempo em que Deus bastava para tornar humilde o poderoso; hoje seus pesadelos são apenas o comunismo, o enfarte e o câncer, mas ele já se acostumou a pensar que essas coisas só acontecem aos outros. O terremoto ameaça a terra com seus bens, e a própria vida; sua ocorrência só pode tornar as pessoas mais amantes da vida e mais conscientes de sua espantosa fragilidade. E isso faz bem” (Rubem Braga, “Ai de ti, Copacabana” 21ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 19).

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