Crônica arealense (1)

Nós os advogados somos os racionais, pensamos descaradamente que com a razão tudo podemos resolver, afinal ela a RAZÃO é a rainha de nosso agir. Exceto, em casos raros como a atuação no Tribunal do Júri, por exemplo, o certo é que os advogados procuram atuar rotineiramente movidos pela razão.

Assim parti hoje em direção a Areal para tentar retomar minha vida de trabalho na procuradoria. Fiz o mesmo trajeto na Br. 040, mas a Br. 040 já não é mais a mesma, fiz o mesmo trajeto de entrada em Areal, mas a entrada de Areal já não é a mais mesma, passei pela Ilha mas a Ilha já não é a mesma. Não tive coragem de rever a Rua Afonsina, poupei meu coração, afinal estava eu a levar muito trabalho em minha pasta.

Cheguei à PMA, estacionei o meu carro e segui em direção ao meu gabinete de trabalho, havia algo diferente, as escadas não estavam limpas como habitualmente. Cumprimentei os servidores, entrei e fechei a porta de minha sala. Havia luz, ar condicionado e internet funcionando, tudo estava “normal”. Entra Regina nossa atendente sempre atenciosa e diz: - Doutor, seu café e sua água estão aqui, resolvi trazer a água em copo de plástico porque estamos sem água. Fingi que não entendi, não podia me emocionar.

Danei a trabalhar que nem um louco, o mundo externo não me interessava, até que as notícias se impuseram a mim através do som externo. Ligação de Portugal para o Prefeito querendo notícias; Secretário de Saúde do Estado reunido com o Prefeito; pessoas reclamando na recepção sobre a distribuição dos carros de pipa d’água, um entra e sai desenfreado de pessoas. Passado algumas horas resolvi ir ao banheiro, quando na porta estava escrito, “interditado”, mas gentilmente me ofereceram para usar.

Enfim, só na minha imaginação, só no meu desejo Areal está no lugar, no entanto, no mundo real Areal está de CABEÇA PARA BAIXO. Não obstante o esforço hercúleo de toda equipe do Governo Laerte Calil de Freitas, a verdade é que o real é mais forte que nós, o cenário é assustador. O luto grita em nós de uma maneira indizível, para onde vire os nossos ouvidos, para onde dirija nossos olhar, o que se vê é sinal de destruição. Vivemos um luto coletivo, e não há como escapar disto, aceito o sofrimento que se me impõe.

Ao final da tarde, pus-me a dirigir de volta para Três Rios, quando já na saída de Areal deparei-me na BR. 040 com o comboio trirriense, conduzido por uma viatura da “rota escolar”, eram caminhões, máquinas, carros de passeio, todos da PMTR, não pude conter a minha emoção de ver aquela cena maravilhosa, a solidariedade trirriense a toda prova. Nestas horas a gente se sente como naquele velório de uma pessoa próxima e amada, você já cansado e ao lado do féretro, quando a madrugada já se vai longa, e adentra o velório uma pessoa querida sua, e com um largo sorriso o conforta e você chora nos ombros dela. Assim me senti hoje à tarde na Br. 040 ao ver o lento comboio da solidariedade trirriense voltando para casa com a missão cumprida por mais um dia. Senti orgulho de ter nascido aqui em Três Rios e de ser arealense de coração.

Meu coração está esfacelado, só hoje compreendo melhor o choro de Mariana, ao me contar pelo telefone – eu estava indo para o Rio na hora da tragédia – o que estava acontecendo com o nosso Areal naquele exato momento. Só hoje compreendo melhor o desespero de Nasta para estar em Areal na manhã seguinte ao ocorrido, só hoje compreendo as iniciativas de Sarah, minha filha. Só hoje compreendo o choro de Tia Jack.  Como sempre as mulheres é que nos ensinam o melhor dos sentimentos. Que elas sejam cada vez mais fortes na reconstrução de Areal.

Comentários

Anônimo disse…
Olá Beto, Quero me solidarizar com você e conto está fazendo a todo o povo arealense neste momento de dor, angústia e perda. Confesso que, mesmo conhecendo Areal, não consegui identificar a didade nas fotos que visualizei. Estou voltando a ativa agora e me coloco a disposição para o que puder fazer. Já coloquei esta posição para o maninho também.
Em suas palavras me lembro do que eu dizia quando alguns (poucos, gvraças a Deus), diziam que éramos forasteiros. Areal é trirriense, pois é filha de Três Rios e todos nós somos irmanados, não pela localização de moradia, mas, pelo próprio sentimento. Ante esta tragédia, me sinto ainda mais arealense, pois sinto as mesmas dores e pezares que os que lá moram sentem.
Agradeço ao Povo Arealense por ter me recibo sempre com fidalgia e coloco à disposição para o que der e vier.
Abraços fraternos.
Mauro Lúcio da Silva

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