O imperativo ético do “eterno retorno” em Nietzsche e sua aplicação ao Direito
A importância de Assim Falava Zaratustra no contexto da obra nietzschiana é pacífica, inclusive, é sabido que o próprio Nietzsche atestava tal fato (MACHADO,1997)[2], aliás, não só ele, também todos os estudiosos de sua estupenda obra reconhecem que Assim Falou Zaratustra [3](1883-1885) inaugura o terceiro, último e culminante período da filosofia nietzscheana, eis que em ZA, Nietzsche “encontra sua própria linguagem para seus próprios pensamentos.” (MACHADO, 1997, p. 20).
No ápice de sua maturidade, em ZA, Nietzsche constrói com uma singularidade estilística jamais posta, um novo modo de filosofar sob dois aspectos, o primeiro, pelo deslocamento de uma linguagem conceitual a uma linguagem artística, ou, mais precisamente, a uma linguagem poética; e segundo, pelo deslocamento de uma sistemática, argumentativa, que propõe uma teoria, característica da filosofia em quase sua totalidade, a uma linguagem construída de forma narrativa e dramática. (MACHADO, 1997, p. 20).
Em 1883, Nietzsche fez a seguinte anotação sobre a narrativa dramática de ZA, e sobre os propósitos (experiências) ali colocadas e vividas pelo seu personagem central do livro (MACHADO, 1997, p. 27)
“Expor, a propósito de Zaratustra, o ideal dos sacrifícios necessários: abandonar seu lugar natal, sua família, sua pátria. Viver sob o desprezo da moralidade reinante. Tormento das tentativas e dos fracassos. Desligamentos de todas as alegrias que oferecem os antigos ideais (há neles um gosto às vezes hostil, às vezes insólito.”
No fragmento póstumo de 1887, Nietzsche esclarece o sentido do espírito heroico, aquilo que vemos em ZA, tal espírito é “aquele que diz sim a si mesmo na crueldade trágica, por ser bastante forte para experimentar o sofrimento como um prazer, com alegria.” (MACHADO, 1997, p. 29). Zaratustra é aquele que assume o seu destino trágico, isto é, diz sim à vida como ela é, sem introduzir oposição de valores, afirmando poeticamente seu eterno retorno, é alegre não obstante todo o seu sofrimento, assim como Nietzsche o foi em sua vida, que lhe deu tão pouco em termos de saúde, mas, que jamais foi um ser humano ressentido por esse acaso, vivia com intensa alegria, e fez de sua frágil saúde uma afirmação amorosa e incondicional da vida, amou-a tanto a ponto de querer o seu eterno retorno.
“Assim falou Zaratustra narra a história do aprendizado de Zaratustra como a história da “descida”, do “declínio” ou do “ocaso” de um herói trágico que segue uma trajetória marcada por dúvidas, angústias, terror, náusea, piedade... mas termina com seu “amadurecimento”, no momento em que ele assume alegremente o pensamento trágico por excelência: o pensamento do eterno retorno.” (MACHADO, 1997, p. 30).
O que caracteriza a tragédia (no sentido dos gregos pré-socráticos atualizado por Nietzsche) é uma descoberta, a descoberta de um segredo por Zaratustra, que o faz tornar-se o que é. Isto está dito poeticamente, no “O Convalescente”, texto da terceira parte de ZA,
“Canta e distrai-te Zaratustra; cura a tua alma com cantos novos, para poderes suportar o teu grande destino, que ainda não foi o destino de ninguém. Que os teus animais bem sabem quem és, Zaratustra, e o que deves chegar a ser: tu és o profeta do Eterno retorno das coisas. E este é o agora o teu destino!” (ZA, 2014, p. 288)
O profeta do eterno retorno, eis o destino de Zaratustra, o seu “peso pesado”[4]. O que seria então o eterno retorno nietzschiano? Um imperativo ético que deve ser enunciado da seguinte forma (MACHADO, 1997, p. 134),
“Viva como se cada instante de sua existência fosse retornar eternamente. Isto é, se, no momento de fazer algo, alguém se perguntar se quer fazê-lo um número infinito de vezes, isto será para ele o mais sólido centro de gravidade”
Ou no dizer de Deleuze interpretando o “eterno retorno”,
“O que quiseres, queira-o de tal modo que também queiras o seu eterno retorno.”
Caminhando para as conclusões, e agora diante do “eterno retorno” nietzschiano aplicado a uma reflexão sobre o Direito e nossa atuação.
1) Será que ao viver a nossa vida atual, aplicando o Direito, estamos a viver segundo o imperativo ético do eterno retorno nietzschiano?
2) Queremos viver o e do Direito, novamente e infinitas vezes?
3) Voltaremos tantas vezes quanto o infinito para reafirmar nossa condição de profissionais da advocacia em defesa dos direitos e prerrogativas de todos os cidadãos e cidadãs?
4) Suportaríamos o “peso pesado” de assumir integralmente nossos atos e atitudes profissionais até o infinito, retornando eternamente com o mesmo agir?
5) Imprimimos em nossa vida de advogados a imagem da eternidade, do eterno retorno do mesmo?
6) Será que o Ministro Nefi Cordeiro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), assim como nós, poderemos afirmar a passagem abaixo, transcrita de seu voto no Habeas Corpus (nº 509030) do paciente Michel Temer, como se também nossa fosse, como sendo um imperativo ético nietzschiano do eterno retorno do mesmo? "Juiz não enfrenta crimes, não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos políticos da ação. O juiz criminal deve conduzir o processo pela lei e Constituição, com imparcialidade, e, somente ao final do processo, sopesando adequadamente as provas, reconhecer a culpa ou declarar a absolvição. Juiz não é símbolo de combate à criminalidade, é definidor da culpa provada, sem receios de criminosos, sem admitir pressões por punições imediatas."
Referências.
MACHADO, Roberto Machado. Zaratustra – tragédia nietzschiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1997.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falava Zaratustra. 7ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
A gaia ciência. 2ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2011.
[1] Mestre em Direito Tributário UCAM-RIO. Professor de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Católica de Petrópolis – UCP. Autor do livro “Direito Financeiro & Direito Tributário” Rio de Janeiro: Multifoco, [no prelo].
[2] P. 19, nota de rodapé 18. Carta a Peter Gast, 10/01/1883.
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