Toda coragem também é dita!

 


Michel Foucault dizia que “toda coragem é física”, a afirmação é forte, é preciso analisar o contexto em que dizia isso, tudo é o contexto... Era o ano de 1968, Foucault um professor e intelectual engajado, que acreditava no enfrentamento do corpo, no corpo como referência máxima do humano (menos alma, mais corpo) menos subjetividade racionalista, ideia e ação eram sinônimos, participava ativamente nas ruas em Paris, ao lado de seus próprios alunos, na luta feroz contra a repressão dos movimentos estudantis de 1968. Ninguém melhor do que o filósofo brasileiro, Roberto Machado, que foi seu amigo com mais de uma década de convivência, para falar sobre essas características de Foucault, no indispensável livro, “Impressões de Foucault”, N-1 edições. 2017.

Conquanto estejamos atravessando, na "rua", uma fase de radicalismos no mundo, mais ainda aqui no Brasil, cada qual com seu lado, suas opiniões e o desejo de destruir as opiniões alheias, penso que em "casa" (faço uso aqui da distinção “casa” e “rua” do antropólogo Roberto DaMatta), há um afrouxamento também radical dos laços referenciais entre pais e filhos. Não há mais coragem nos pais, nem mesmo para resgatar os filhos do buraco da vida, esse tal de deixar viver é de uma covardia paterna (sentido amplo, não só patriarcal) que beira as raias da irresponsabilidade.

Os pais renunciaram o direito de dizer sobre a vida aos filhos! Falta-nos, a coragem de ser pais!

Filho não pode tutelar pai, a não ser quando o pai já está “demente”, fora dessa condição excepcional, (mas, de possibilidade concreta de ocorrência dado o tempo de vida que nós estamos alcançando no século XXI), os pais têm que tutelar os filhos, no sentido de que precisam dar aos seus filhos à sua visão do mundo, errônea, falha, miserável , frágil, mas a sua visão. Os filhos ouvirão outras visões de mundo de seus amigos, de seus inimigos, de seus parentes, de seus professores, por que não deveria ter o direito de ouvir a visão dos pais?

Falhamos pelo silêncio, falhamos pela omissão, falhamos ao evitar o confronto direto com filhos, queremos ficar em cima do muro, ou no lugar do amiguinho supralegal do filho, nos falta a “coragem do confronto corporal” foucaultiano com os nossos filhos, um confronto do toque, do encontro, do desencontro, do luto, da seriedade, do dionisíaco nietzschiano, mas, também o “confronto das ideias”.

É preciso dizer um NÃO ROTUNDO (aqui, Leonel Brizola) para o modo de condução da vida de seus filhos (gênero exemplificativo). É preciso que eles nos joguem na cara, no futuro, que erramos em nossas opiniões e observações (mas, dissemos a eles, dizer já é grandioso!), é imperioso resgatarmos a coragem de errarmos ativamente na criação de nossos filhos, para que eles possam ter referenciais paternos bem claros e contraditórios, é hora de termos a coragem de assumir nossas contradições e ideias para com nossos filhos. Ou, parafraseando o ditado popular, “desistiu, perdeu!”, noutro dizer, desistiu de contestar seu filho, desistiu de apontar o abismo para ele, perdeu-o! Dê a ele o gosto de dizer no futuro: papai você estava errado!

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