O amigo de Freud



O livro “O Mal-Estar na Civilização” de Sigmund Freud, é um clássico da literatura mundial. Li quando ainda era um jovem psicanalisando e reli em alguns desses dias da pandemia atual, onde continuamos enclausurados, ainda que um pouco menos. Esta segunda leitura foi bem melhor, eu mais maduro vi com outros olhos, oh, quanto é bom a maturidade. No livro, (foto), Freud diz que enviou a seu amigo - Romain Rolland, novelista, biógrafo, doutor em arte e Nobel de literatura de 1915 - o seu pequeno livro “que trata a religião como sendo uma ilusão”. (o livro é intitulado - "O futuro de uma ilusão".

Freud, que se diga, escreve que é uma maravilha, relata que o amigo Romain Rolland o respondeu com toda elegância e até concórdia, mas, que entretanto, alegou que Freud “talvez não tivesse apreciado corretamente a verdadeira fonte da religiosidade”.

Freud, a seguir, transcreve o sentimento que o amigo Rolland, o revelou na carta resposta,

“Esta (religiosidade), diz ele, consiste num sentimento peculiar, que ele mesmo jamais deixou de ter presente em si, que vê confirmado por muitos outros e que pode imaginar atuante em milhões de pessoas. Trata-se de um sentimento que ele gostaria de designar como uma sensação de “eternidade”, um sentimento de algo ilimitado, sem fronteiras – “oceânico”, por assim dizer. Esse sentimento, acrescenta, configura um fato puramente subjetivo, e não um artigo de fé; não traz consigo qualquer garantia de imortalidade pessoal, mas constitui a fonte de energia religiosa de que se apoderam as diversas igrejas e sistemas religiosos, é por eles veiculado para canais específicos e, indubitavelmente, também por eles exaurido. Acredita ele que uma pessoa, embora rejeite toda crença e toda ilusão, pode corretamente chamar-se a si mesma de religiosa com fundamento apenas nesse sentimento oceânico.” (págs. 9/10).

Ao fim, Freud, com sinceridade e carinho profundo pelo amigo, diz; “Não consigo descobrir em mim esse sentimento “oceânico”.

Lembrei-me ao ler este trecho do livro, de Santo Agostinho, que diz que a Graça é contingente e não é dada por mérito de ninguém, daí que a “Graça é de graça”. Há homens, gênero humano digo aqui, que não possuem fé, não porque não queiram, mas porque não podem, a fé não chega a eles, não os alcançam, o que não os diminuem em nada, ao contrário há “santos sem fé”. Nuns a secura da alma chega a rachar até a pele, noutros, a alma transborda como um oceano, em ambos, o mistério maravilhoso da criação!



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