Notas para um estudo sobre o conceito de niilismo em Nietzsche.
Nosso objeto primeiro ao apresentar ao público essas notas, é antes de mais nada nos mantermos fieis ao pensamento de Nietzsche, declinando de ofertar a nossa opinião sobre o tema, muito embora cientes, pelo próprio Nietzsche, que 'não há conhecimento objetivo'. O conceito niilismo assim pode ser visto no vocabulário comum do cotidiano, a saber, (HOLANDA FERREIRA, 1986, p. 1.193)
“Niilismo – 1. Redução a nada; aniquilamento. 2. Descrença absoluta. 3. Filos. Doutrina segundo a qual nada existe de absoluto. 4. Doutrina segundo a qual não há verdade moral nem hierarquia de valores. 5. Doutrina segundo a qual só será possível o progresso da sociedade após a destruição do que socialmente existe.”
No pensamento de Nietzsche a expressão niilismo, possui outro significado bem diverso do comum, ou seja, o niilismo é uma forma de viver negando a vida no seu aquieagora em nomes de valores metafísicos ou futuros. O niilista, então, é aquele que descrê na vida como ela é para crer na vida como ela deveria ser. Como bem anota (MARTON, 2010, p. 82),
“Instaurando o vazio, é a renúncia à vida que o “niilismo suicida” prega, é a morte em vida que ele apregoa. Atravessá-lo implica, pois, aceitar a vida tal como ela é, aceitar inclusive tudo o que nela há de mais execrado e infame. Eis o grande desafio que Nietzsche tem de enfrentar.”
Nietzsche se intitulava o “filósofo da suspeita” não em vão, mas, propositalmente, porque ciente que combatia o bom combate para “retomar as rédeas do destino da humanidade”, suspeitando da filosofia grega a partir de Sócrates e do cristianismo, como caminhos de se negar a vida niilistamente.
Na filosofia, Deleuze pensador francês cujo ferramental se estruturava com vigor sobre o pensamento de Nietzsche, propôs uma classificação para o conceito de niilismo com base na obra nietzscheana, em quanto pilares., a saber, (MOSÉ, 2018, p. 52/54)
1) Niilismo negativo – nessa espécie predomina a ideia de pecado e erro nesta vida, afirmando uma outra a vida após morte, seja no mundo das ideias platônica ou no paraíso proposto pelo cristianismo, estão unidos nesta primeira classificação o a Grécia antiga e a idade média. 2) Niilismo reativo – predomina a partir no nascimento da razão científica que nega a promessa do paraíso depois da morte, no entanto, quer construir a felicidade aqui mesmo, como se vê no que chamamos modernidade; 3) Niilismo passivo – aqui nem Deus, nem o humano, nada vale a pena, a descrença atinge em cheio a própria vida, como sói acontecer na pós-modernidade, ou no que chamamos de mundo contemporâneo; 4) Niilismo ativo – este sim é o niilismo apregoado por Nietzsche, ou seja, depois de uma queda abissal, perdas civilizatórias, a negação nega a si mesma, cansa de se opor à vida.
“Sem oposição, a vida volta a predominar nos corpos, retorna a afirmação, o dizer sim. Mais maduro, sem grandes ilusões, vivendo a vida de frente com o auxílio da arte, o ser humano pode reencontrar a alegria de viver e refundar a civilização em bases afirmativas. A vida em si mesma torna-se o maior valor”. (MOSÉ, 2018, p. 52/53)
No primeiro niilismo, o negativo, a negação da vida se dá em nome de valores superiores, metafísicos; já no segundo niilismo, o reativo, ocorre a “morte de Deus” [note aqui, que Nietzsche apenas constata a morte de Deus na sociedade, ele não a apregoa, a questão da fé não interessa a Nietzsche, por si] e uma reação contra os valores do cristianismo e da Grécia antiga, mas, para Nietzsche, na essência, um é a continuação do outro, ou como diz (MACHADO, 1997, p. 62/63),
“A desvalorização moderna dos valores superiores continua o processo de negação da vida iniciado pela moral cristã e metafísica. Se há continuidade entre os valores divinos tradicionais e os valores humanos, demasiado humanos, modernos, o que torna possível essa passagem e faz da modernidade um ‘cristianismo latente’ é certamente a moral.”
Como ‘médico da humanidade’ ou ‘filósofo da suspeita’, Nietzsche bem percebeu que a passagem do niilismo negativo para o reativo, nada mais significou do que a secularização do cristianismo, ou, um aprofundamento dos ideais cristãos, e não uma efetiva ruptura. Isto é, o niilismo reativo também nega a vida, muito embora tenha matado Deus,
“...Continua inconscientemente a reverenciá-lo ao pôr em seu lugar ideias modernas como “humanidade”, “sociedade livre”, “ciência”, “progresso”, “felicidade para todos” ... Substituir Deus pelo homem, como faz a modernidade, colocar valores humanos, demasiado humanos, no lugar de valores considerados divinos, não muda o essencial. Por quê? Porque o espaço, o lugar em que se coloca o homem continua o mesmo do Deus desaparecido: o espaço da moral ou da oposição de valores que instituiu a superioridade do bem e da verdade.” (MACHADO, 1997, p. 64)
Enfim, tanto o niilismo negativo quanto o niilismo reativo seguem em direção equivocadas para Nietzsche, e mesmo o niilismo reativo, que é o do homem moderno, muito embora tenha decretado a morte de Deus, acabou envolvido por sua sombra, a sombra do Deus morto, portanto, é preciso livrar-se dessa sombra. Estes dois primeiros tipos de niilismos são oriundos da religião judaico-cristã e da metafísica socrático-platônica, e o são niilistas, no dizer nietzschiano porque julgam e desvalorizam a vida temporal a partir do mundo suprassensível e eterno, considerado verdadeiro, e também, negam a vida em nome de uma outra vida melhor, mais justa, negam este mundo em nome de outro mundo, um mundo idealizado.
Para Nietzsche os “assassinatos” de Sócrates e Jesus Cristo são o ápice do niilismo negativo, porque representam a negação da vida em nome da divinização da morte, Nietzsche entendia que não se tratavam de dois assassinatos, mas, sim, de dois suicídios (MACHADO, 1997, 67/68).
A terceira modalidade de niilismo, é a do niilismo passivo, também apontada por Deleuze, está bem presente no século XXI, onde vige uma descrença generalizada, seja em Deus (já morto na modernidade) ou no homem, não se crê mais nas grandes utopias do século XX, nem mesmo no poder incontestável da ciência, proliferam os suicídios, inclusive entre os jovens, e este niilismo ismo passivo chega a ter traços de atividade, quando descamba para o ódio bem presente na sociedade atual, mas, ainda é um niilismo que não enfrenta a vida como ela é.
A última tipologia de niilismo, o niilismo ativo. Afirmar a vida! O Trágico é a falta de verdades, certezas, a instabilidade com relação ao futuro, a doença, a dor, a velhice, o abismo da morte. O pensamento trágico de Nietzsche, seu niilismo ativo na dicção de Deleuze, busca afirmar o que nos aflige: não encontrar mais prazer na estabilidade, mas na incerteza; amar a pluralidade, a diversidade, a diferença, o risco.; ansiar para que ocorram mudanças – (MOSÉ, 2018, p. 57).
Na visão de Zaratustra, o presente nos abre duas possibilidades: seremos o super-homem ou o último homem? O último homem, o niilista passivo da contemporaneidade, ou, o super-homem, aquele que detém a existência terrena, isto é, não fundada em valores transcendentes, a que Deleuze denomina de o niilista ativo de Nietzsche.
Finalizamos com (MOSÉ, 2018, p. 60) que bem afirma a condição do niilista ativo nietzschiano nesta quadra de nossa episódica existência,
“O maior desafio do século XXI, é resgatar o valor da vida, a maior ação política é incentivar a vontade de viver. A vida não precisa estar vinculada a um projeto de felicidade; a experiência da via, em si mesma, o jogo da vida se basta. Nietzsche afirma, em seu pensamento mais maduro, a necessidade de reconciliar o homem com o corpo, com a presença, com o tempo.”
Referências.
HOLANDA FERREIRA, Aurélio Buarque de. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
MACHADO, Roberto. Zaratustra – tragédia nietzschiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1997.
MARTON, Scarlett. Nietzsche, filósofo da suspeita. Rio de Janeiro: Casa da Palavra. 2010.
MOSÉ, Viviane. Nietzsche hoje. Petrópolis: Vozes. 2018.
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