O Supremo e as cotas raciais



O Supremo Tribunal Federal – STF, começou a julgar hoje a constitucionalidade ou não do sistema de cotas para índios e afrodescendentes criados pela UNB (Universidade Federal de Brasília). Tudo indica que a ação seja julgada improcedente, e prevalecerá o sistema de cotas. Toda discussão gira em torno do art. 5º, caput, da Constituição Federal que está assim redigido: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”

Noutro dizer, o cerne da questão é o princípio igualdade ou isonomia. Os que são contra o sistema de cotas defendem que o sistema tem como critério de escolha do beneficiário, um dado furado, ou seja, a cor da pele como representativa do negro ou do pardo. Diz Reinaldo Azevedo, colunista de Veja, que subscreveu um manifesto com outros intelectuais, e que foi entregue a cada ministro do STF: “Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas “raças” humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes!”

Reinaldo Azevedo ainda cita o geneticista Sérgio Pena, que diz: “O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das ‘raças’ deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de ‘raças’.” (”Receita para uma humanidade desracializada”, Ciência Hoje Online, setembro de 2006).

Por outro lado, Elio Gaspari no “O Globo” de hoje cita um texto dos advogados, Márcio Thomaz Bastos e Luiz Armando Badin que defendem as cotas raciais, e assim dizem: “A igualdade nunca foi dada em nossa história. Sempre foi uma conquista que exigiu imaginação e risco e, sobretudo, coragem. Hoje não é diferente” (“Hoje o STF julgará as cotas”, 25/04/2012, p. 6.).

Formei-me na UCP – Universidade Católica de Petrópolis, uma belíssima universidade particular. Minhas chances de passar num vestibular federal era zero. Minha família suou para pagar minhas mensalidades. Colegas negros na UCP, na época? Raríssimos. Só filho de rico que estudou em colégio particular era aprovado em universidade federal. Passaram-se vinte anos e tudo está do mesmo jeito. Classe média estuda na universidade particular e classe média alta em universidade pública. A universidade pública sempre foi e é monopólio dos filhos dos mais despojados financeiramente.

O sistema de cotas não está correto ao privilegiar negros e pardos no percentual de vinte por cento das vagas, mas, pelo menos retira dos mais poderosos financeiramente o monopólio das vagas. Os filhos brancos de classe média continuam perdendo, continuam fora das universidades públicas, porque não estão no sistema de cotas, todavia, pelo menos alguém saiu ganhando fora do tradicional círculo de detentores do poder financeiro. Que assim seja então.

É hora de corrigir o sistema de cotas para fazer com que ele funcione de acordo com a situação financeira do vestibulando e não consoante sua cor de pele. Até lá, que fique vigorando este mesmo, melhor que nada. O sociólogo português Boaventura Sousa Santos defende que o conceito de igualdade deve ser visto da seguinte forma: “tenho o direito a ser igual sempre que a diferença me inferioriza; e tenho o direito a ser diferente sempre que a igualdade me descaracteriza”. As duas hipóteses podem ser aplicadas aos negros, pardos, índios, mulheres, idosos, deficientes físicos e homossexuais. Neste sentido a busca da igualdade é sempre uma intervenção afirmativa em meio a certa inferioridade ou descaracterização. Ou seja, a distinção dada ao negro e aos pardos faz valer a igualdade, porque tratá-los igual aos financeiramente abastados seria deixá-los em situação inferiorizada nos vestibulares para universidade pública.

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