O sobrenatural em Volta Redonda
Tinha tudo para ser uma tarde normal em Volta Redonda. Isadora durante a semana, quando soube que o jogo ia ser no Raulino de Oliveira havia me pedido que fôssemos. Não hesitei, confirmei nossa presença. Falei com Nasta que também topou. Partimos rumo a Volta Redonda, tudo normal nada real.
Chegamos cedo como de hábito. Sempre normalmente com antecedência, não gosto de chegar em cima da hora. Compramos os ingressos, diga-se de passagem, caros, R$120,00 para nós quatro e fomos para arquibancada. Quando comecei a ver aquela bela torcida chegar ao estádio já me lembrei do “profeta tricolor” Nélson Rodrigues: − Amigos, de vez em quando, digo que a torcida tricolor pode não ser a maior, mas é a melhor. Os idiotas da objetividade rosnam: - “Literatura! Literatura!”. Respondo que se o fosse, não seria defeito. (“O Profeta Tricolor”, Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2002, p. 79).
É por aí, gente bonita para todos os lados, famílias inteiras chegavam ao Raulino de Oliveira, avós, pais, filhos e filhas para ver o time que tem a “vocação da eternidade”, outra expressão rodriguiana. Todavia, o inesperado estava para acontecer. O time entrou mal escalado pelo Abel, e com Souza em campo foi um desastre no primeiro tempo. Nada deu certo, tomamos um gol logo no início e jogamos pateticamente. Reclamamos, xingamos, pedimos a troca de jogadores, enfim, protestamos com a veemência necessária nestas ocasiões.
Começou o segundo tempo e o Abel (meio que perdido até hoje no comando do flu), trocou o Souza pelo Martinuccio e o Cyro pelo Rafael Sóbis. O time cresceu um pouco, mas continuava sem criar o suficiente. Para tudo piorar, quando o flu consegue o pênalti numa cabeçada de Gum que bateu nas mãos do zagueiro deles dentro da área, Rafael Moura bate e perde o pênalti. Ficou ruim de vez? Não, engana-se caro leitor, pode piorar. E não é que piorou? O Atlético-GO fez o segundo num pênalti infantil cometido pelo Diogo e convertido pelo goleiro deles.
Aos 38 minutos do segundo tempo surtei na arquibancada e falei com a Nasta: − não aguento mais ver isso, quero embora. Isadora também falou: − concordo, vamos embora sim, chega. Sarah arregalou os olhos. Nasta como de hábito, a mais sábia e ponderada: − vamos não, já que estamos aqui vamos até o fim. Insisti: − vamos embora. Nasta, com a educação de sempre, aquiesceu mesmo discordando. Pedimos licença e descemos a arquibancada, quando chegamos embaixo, próximo as grades, Rafael Sóbis fez o primeiro gol do flu e a galera explodiu no Raulino de Oliveira.
Por um segundo vi o personagem “Gravatinha” (personagem rodriguiano que só baixa do além para ver as vitórias do flu) sentado sobre a trave do goleiro do Atlético, e pensei comigo, será possível? Ainda comemorávamos o gol de Sóbis quando me lembrei desta passagem de Nelson Rodrigues: − Foi preciso que, um dia o “Gravatinha” despontasse, para nós, como uma aurora boreal. Aí começou a nossa maravilhosa ascensão. E essa figura extraterrena, que ninguém tem, e só nós temos, é de uma doçura inenarrável. Quando o torcedor pó-de-arroz chega, e vê o “Gravatinha”, já sabe: é a vitória. Sim, a simples presença do venerando e finado tricolor significa bicho no bolso e o time já pode gastar por conta. (obra citada p. 38).
Enfim, eu vi o “Gravatinha” na trave do goleiro e falei com a Nasta, fiquemos por aqui, algo vai acontecer. Foi necessário apenas mais 5 minutos para o inacreditável ocorrer, o flu empatou e heroicamente virou o jogo, com Rafael Sóbis e Rafael Moura, respectivamente. A torcida enlouqueceu, me vi abraçado e até mesmo engavetado nos braços de quem jamais conheci tudo era vibração, tudo era loucura, estávamos em êxtase, quando recobrei a consciência e retomei o olhar para o campo tive a surpresa mais adorável da já noite em Volta Redonda, “Gravatinha” sorrindo, descia do travessão do goleiro atleticano, e com o seu leve e tradicional sorriso nos lábios, olhava com prazer a festa de sua torcida. De fato, Nélson Rodrigues tem razão: “sou tricolor, sempre fui tricolor. Eu diria que já era fluminense em vidas passadas, antes, muito antes da presente encarnação”.
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