Comigo não violão



Geralmente gosto de ler estilos que se opõem a minha forma de colocar-me no mundo. Fico com aquela ponta de inveja... Por exemplo, leio Diogo Mainardi, Gustavo Corção, Nélson Rodrigues, Olavo de Carvalho, Luiz Felipe Pondé e Paulo Francis. São autores que escrevem de uma maneira incisiva. É preto no branco. Assumem posições firmes. Tal perfil é o meu oposto. Adoro-os. Paradoxos da existência. Por exemplo, estou lendo de Paulo Francis “O diário da corte”, uma seleção de crônicas recentemente lançadas pela Editora Três Estrelas, inclusive, com posfácio de Luiz Felipe Pondé. O livro é bárbaro, dá uma sensação gostosa em ver tanta autenticidade em uma única pessoa. Francis, realmente, é encantador. Ame-o ou deixe-o. Eu? Nem tanto.

Enfim, adoro os autores que não consigo reproduzir, não obstante também goste muito daqueles que são verdadeiramente parecidos comigo no modo de existir. Neste particular, há um que me chama muito a atenção. É Alceu Amoroso Lima. Há uma passagem do livro “Cartas do Pai” − escrito por ele, à sua filha enclausurada em um mosteiro – que revela perfeitamente o que eu sinto sobre mim mesmo, daí que até reproduzo ela, passagem, em meu blog, a saber.

Está assim redigida: "Sempre que vejo dos sujeitos discutindo, sei logo que ambos têm razão. Quando vejo dois sujeitos brigando, já sei que nenhum dos dois tem razão. E assim por diante... Não consigo tomar partido, por uma classe, por um país, por um filósofo, ou mesmo por uma filosofia, por um poeta, por uma escola literária, por um regime político. Tenho horror ao um... Meu horror é ao um que exclui o outro, à unicidade que exclua a variedade, ao dogmatismo que exclua a liberdade. Daí o meu horror ao fanatismo de qualquer regime, seja ele católico ou anticatólico. E minha paixão pelas distinções. Sim, mas... Não, mas...Ah, a minha paixão pelas adversativas".  Alceu Amoroso Lima, "Cartas do Pai". São Paulo: Instituto Moreira Sales, 2003, p. 164.

Eu sou assim também, uma plêiade de possibilidades. Há algum tempo tentei lutar contra isto, tentei até tomar partido de forma veemente em algumas situações, mas sempre me dou mal. Não consigo sequer zoar o Botafogo, acho que não vale à pena. Sou bonzinho? Não. Hesitante. Vira e mexe bate aquela vontade louca de ponderar: sim, não, mas, talvez, oh, Alceu, “minha paixão pelas adversativas”.

O título desta crônica é de Paulo Francis, “Comigo não, violão”, que está às paginas 106/109 do livro já citado. Diz Francis: “Se não fosse o grupo de imperialistas econômicos americanos não teríamos ópera. Escrevi aqui várias vezes que é muito mais fácil odiar os Rockfellers no Brasil do que em Nova York. De que jeito posso se não amar a irmã de David e Nelson, Abby, pois se foi ela que deixou 5 milhões de dólares para que o Met me desse um Tristão e Isolda com Birgit Nilsson, em 1974, com que sonho até hoje. Toda produção nova e boa tem tutu de algum bilionário cujas empresas provocam fome na Etiópia e na Índia. É um paradoxo moral que resolvi confortavelmente, atacando-os politicamente e gozando o que me propiciam. (...) É preciso manter a cultura, o que resta, acima da canaille. Detesto violão. E comigo não.”


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