Caminhos possíveis
Dois assuntos me movem: a coluna de Contardo Calligaris na
Folha de hoje, “Faust moderno” e a desobediência contumaz dos padres austríacos
em face da Igreja Católica. Calligaris nos fala da peça “Fogo-Fátuo” que está
em cartaz no Sesc em São Paulo, e que contém a seguinte reflexão feita por
Mefisto: − “qual
função ainda tem o diabo num mundo em que os homens não precisam dele para fazer
o pior?”, ou, nas palavras de Calligaris, “Só topo vender a alma em troca de
sucesso em minhas empreitadas terrenas se meu breve tempo de vida for, para
mim, mais importante do que a eternidade do céu”.
Enfim, o mundo moderno ao não mais oferecer uma resposta
pronta à pergunta “quem somos?” acaba por nos colocar sempre numa situação de
frustração de nossos desejos. Exemplifica Calligaris: estou feliz no casamento?
É porque desistiu de procurar o amor de sua vida. Tem um bom emprego e está
satisfeito? É porque abriu mão do grande empreendimento de sua vida. Tem paz de
espírito? É porque desistimos de procurar a pedra filosofal que daria
significado a tudo. Enfim, o desassossego é geral na sociedade como um todo.
Ou, como diz Calligaris, “O Faust de hoje já vendeu sua alma: ele vive com o
sentimento de que seu sucesso, por modesto que seja, custou-lhe a renúncia à
sua vocação, ao seu desejo, ao seu ser”
No seio da Igreja Católica, parte da cultura total, as
questões do mundo moderno também ressoam fortes. Por exemplo, padres austríacos
recentemente, junho do ano passado, lançaram um manifesto denominado “apelo à
desobediência”, onde o Padre Helmut Shüller reivindica o de sempre – ordenação
de mulheres sacerdotes, a comunhão para os divorciados recasados e a abolição
do celibato obrigatório.
Enfim, os padres austríacos também querem viver “os seus
desejos”. Mês passado, o Santo Padre Bento XVI aproveitou a homilia da Missa
Crismal para enfrentar o tema levantado pelos padres austríacos e refletiu; “Será
a desobediência um caminho para renovar a Igreja?”, ou será, diz ele, “apenas
um impulso desesperado de fazer qualquer coisa, de transformar a Igreja,
segundo os nossos desejos e as nossas idéias?”.
É nítida a afetação dos padres austríacos pelos problemas do
mundo atual e por seus “desejos” e também é claro e evidente que o Papa Bento
XVI tem a exata dimensão de seu papel enquanto guardião da fé católica quer
gostemos ou não. Diz ainda o Papa, “Todo o anúncio se deve confrontar com esta
palavra de Jesus Cristo, “A minha doutrina não é minha (Jo 7, 16). Não
anunciamos teorias ou opiniões privadas, mas a fé da Igreja da qual somos
servidores”.
As dúvidas da peça em cartaz em São Paulo são as “mesmas”
dúvidas que assolam os padres austríacos, sinais da modernidade, porém, no caso
dos padres eles estão (porque querem) inseridos num corpo eclesial (Igreja) daí
porque me parecem oportunas as palavras do crítico literário Rodrigo Gurgel,
fortes no dizer do Beato Cardeal John Henry Newman, “a crítica à Igreja sem
disposição de obedecer resulta necessariamente estéril”.
Comentários