Economista Jean-Yves Naudet analisa encíclica Cáritas in Veritate
AIX-EN-PROVENCE, segunda-feira, 25 de janeiro de 2010 (ZENIT.org).- “A novidade de Bento XVI é que a gratuidade não se limita à sociedade civil, também deve acontecer no âmbito comercial e político”, afirma Jean-Yves Naudet na entrevista que segue, concedida a ZENIT, sobre a encíclica "Caritas in Veritate".
Jean-Yves Naudet é professor de economia na universidade Paul Cézanne (Aix-Marsella III), presidente da Associação de economistas católicos da França e vice-presidente da Associação Internacional para a Doutrina Social Cristã.
–Mesmo antes da publicação, a encíclica “Caritas in veritate” de Bento XVI provocou comentários mal entendidos e equivocados. Quais são, na sua opinião, os pontos fundamentais desenvolvidos na linha fiel à tradição da Doutrina Social da Igreja?
–Jean-Yves Naudet: É certo que escreveram muitas coisas falsas antes da aparição da encíclica, algumas até anunciando um novo manifesto parecido ao de Marx!
Tudo isso é ridículo, e Bento XVI se situa explicitamente na linha de todos os seus antecessores na doutrina social, de Leão XIII a João Paulo II.
Nela se encontram todos os grandes princípios doutrinários, desde a dignidade da pessoa ao respeito à vida, passando pela subsidiariedade e a solidariedade.
Mas, igual a seus antecessores, Bento XVI se interessa por “coisas novas”, como a globalização, a crise financeira, o meio ambiente, o desenvolvimento.
A maior novidade é a ideia de que a questão social foi convertida em uma questão “radicalmente antropológica”, ou seja, que afeta todos os homens. Isso é o desenvolvimento integral.
A partir de agora, a economia, a sociedade, mas também o meio ambiente, família, respeito à vida formam parte da doutrina social da Igreja; já não se pode “dividir” a doutrina da Igreja para rejeitar uma parte: se você quer ser fiel à doutrina social da Igreja, tem de defender a dignidade do homem e a economia ao mesmo tempo que a vida humana. Isso se torna inseparável.
Isso já aconteceu com seus antecessores, mas agora e adiante está se unificando na doutrina social da Igreja. Defender a vida e rejeitar a manipulação do embrião também faz parte da promoção do desenvolvimento das populações.
–Na mensagem do Papa, a globalização é apresentada, sem dúvida, com suas forças e fraquezas, mas a questão central se situa em torno da moral e da ética nas relações econômicas. Como poderia se definir a ideia de mercado segundo Bento XVI?
–Naudet: Sim, essa encíclica é também uma grande lição de ética econômica, e o Papa repassa os grandes temas econômicos (mercado, empresas produtivas, etc) para mostrar, colocando a ética no coração da economia.
No que diz respeito ao mercado, Bento XVI explica, como João Paulo II, a utilidade, e seu caráter essencial de permitir às pessoas trocar bens e serviços.
Mas explica que o mercado necessita de justiça comutativa, tema já presente com Tomás de Aquino (preço justo, salário justo, igualdade nas trocas), e também justiça distributiva, porque sem ela não se pode produzir a coesão social.
Precisa-se, pois, de um mercado com formas internas de solidariedade para criar a confiança mútua. Isso é o que falta na crise atual.
Mas por trás do mercado existem as pessoas, e são elas que têm um comportamento moral ou imoral. Por isso, disse o Papa, “não culpo o meio ou o instrumento, mas sim o homem, a sua consciência moral e a sua responsabilidade pessoal e social” (§36).
–Em uma imagem muito querida pelo Papa, o mercado, o Estado e a sociedade civil formam uma união em que a pessoa, livre e responsável, pode se expressar em termos de desenvolvimento integral. De que forma uma pessoa pode se comprometer para realizar o bem comum segundo a doutrina social da Igreja?
–Naudet: Esta questão das relações entre mercado, Estado e sociedade civil é central. O mercado passa pelo contrato, o Estado pelas leis justas e a sociedade civil pelo dom e gratuidade.
A sociedade civil é essencial para não fechar o homem entre o mercado e o Estado. A sociedade civil são órgãos intermediários ou “a personalidade da sociedade”, como dizia João Paulo II.
Mas, além do elogio da sociedade civil, a maior novidade de Bento XVI é a união dessas três ordens, tomando como objetivo o bem comum.
Quer dizer, que o dom e a gratuidade não se limitam à sociedade civil, mas também devem se desenvolver na área do mercado e da política, para promover melhor o bem comum; e inserir nesses dois mundos a gratuidade é inserir sal que dá sabor ao todo.
Uma pessoa pode-se comprometer de várias formas na sociedade civil, empresarial ou política, mas dom e gratuidade dão um verdadeiro sentido a este compromisso, ao colocar no centro o amor na verdade, que é o fio condutor da encíclica.
–Também existe uma crítica radical à ideologia tecnocrática e uma visão nova da importância da iniciativa empresarial como compromisso pessoal a serviço da comunidade. Poderia falar sobre esse aspecto tão particular e importante?
–Naudet: É essencial o aspecto relacionado com a ideologia tecnocrática, porque nosso mundo acredita que tudo está permitido desde que seja eficaz. Mas isso é o oposto da ética e significa acreditar que o fim justifica os meios.
Assim também se utilizam embriões como um simples material. Isso é puro utilitarismo e somente a ética pode permitir tomar boas decisões: o uso da técnica em si deve ser submetida à ética.
Considerando a iniciativa empresarial, Bento XVI fala em primeiro lugar do sentido do empresário, mostrando que sem ética a empresa está condenada, sobretudo quando está obcecada pelo curto prazo; tudo, tudo de uma vez, a qualquer preço, esta é a causa da atual crise.
E homenageia aos empresários que tem uma análise clarividente. Mas o que é mais novo é a ideia de que cada um de nós, cada trabalhador, é um criador, e não somente o empresário de forma estrita.
Assim, cada um deve ser tratado na empresa como se trabalhasse por conta própria, com o sentido de responsabilidade e de autonomia necessários: questão de dignidade, mas também de eficácia.
Ao respeitar as pessoas, estas darão o melhor de si e cada um deve então ser tratado na empresa como se fosse um verdadeiro empresário, quer dizer, um criador ao serviço dos demais.
–Em um artigo publicado em “L'Osservatore Romano”, o senhor afirma que a encíclica “abre formidáveis pistas de reflexão” e um “verdadeiro programa de pesquisa”. A que direções e perspectivas os católicos e pessoas de boa vontade estão chamados a olhar?
–Naudet: Cada nova leitura da encíclica abre novas pistas. Cada um deve encontrar as razões para modificar sua vida e um caminho de conversão, também em seu comportamento econômico.
Mas para os pesquisadores, os universitários, abre-se um campo considerável para encontrar as aplicações concretas das ideias do Papa.
Assim, esta noção de dom e de gratuidade no mundo do mercado e de política deve levar a reflexões, além dos comportamentos individuais, a novas formas institucionais.
Da mesma forma, ao abordar a questão, aparentemente muito elegante, da responsabilidade social da empresa, destaca que se a ética converte-se em instrumento de marketing, pode levar a seu oposto.
Ele recorda que a verdadeira ética se baseia em “dignidade inviolável da pessoa humana” e no “valor transcendente das normas morais naturais” (§45): a partir daqui, é preciso mudar todas as nossas concepções de gestão empresarial e trazer de volta o bom caminho da ética.
O mesmo acontece com o lucro, que é útil sim, como meio, se orientado a um fim que lhe dê sentido, tanto no modo de adquirir como de utilizar (cf. n. 21). Para repensar o significado do lucro, é preciso saber discernir o bom ímpeto lucrativo do lucro imoral.
Mas cada um poderá encontrar nessa encíclica as questões que afetam diretamente a si e levá-las para sua vida.
A doutrina social é, com Bento XVI, como já destacou João Paulo II, caminho de conversão e caminho de evangelização.
Jean-Yves Naudet é professor de economia na universidade Paul Cézanne (Aix-Marsella III), presidente da Associação de economistas católicos da França e vice-presidente da Associação Internacional para a Doutrina Social Cristã.
–Mesmo antes da publicação, a encíclica “Caritas in veritate” de Bento XVI provocou comentários mal entendidos e equivocados. Quais são, na sua opinião, os pontos fundamentais desenvolvidos na linha fiel à tradição da Doutrina Social da Igreja?
–Jean-Yves Naudet: É certo que escreveram muitas coisas falsas antes da aparição da encíclica, algumas até anunciando um novo manifesto parecido ao de Marx!
Tudo isso é ridículo, e Bento XVI se situa explicitamente na linha de todos os seus antecessores na doutrina social, de Leão XIII a João Paulo II.
Nela se encontram todos os grandes princípios doutrinários, desde a dignidade da pessoa ao respeito à vida, passando pela subsidiariedade e a solidariedade.
Mas, igual a seus antecessores, Bento XVI se interessa por “coisas novas”, como a globalização, a crise financeira, o meio ambiente, o desenvolvimento.
A maior novidade é a ideia de que a questão social foi convertida em uma questão “radicalmente antropológica”, ou seja, que afeta todos os homens. Isso é o desenvolvimento integral.
A partir de agora, a economia, a sociedade, mas também o meio ambiente, família, respeito à vida formam parte da doutrina social da Igreja; já não se pode “dividir” a doutrina da Igreja para rejeitar uma parte: se você quer ser fiel à doutrina social da Igreja, tem de defender a dignidade do homem e a economia ao mesmo tempo que a vida humana. Isso se torna inseparável.
Isso já aconteceu com seus antecessores, mas agora e adiante está se unificando na doutrina social da Igreja. Defender a vida e rejeitar a manipulação do embrião também faz parte da promoção do desenvolvimento das populações.
–Na mensagem do Papa, a globalização é apresentada, sem dúvida, com suas forças e fraquezas, mas a questão central se situa em torno da moral e da ética nas relações econômicas. Como poderia se definir a ideia de mercado segundo Bento XVI?
–Naudet: Sim, essa encíclica é também uma grande lição de ética econômica, e o Papa repassa os grandes temas econômicos (mercado, empresas produtivas, etc) para mostrar, colocando a ética no coração da economia.
No que diz respeito ao mercado, Bento XVI explica, como João Paulo II, a utilidade, e seu caráter essencial de permitir às pessoas trocar bens e serviços.
Mas explica que o mercado necessita de justiça comutativa, tema já presente com Tomás de Aquino (preço justo, salário justo, igualdade nas trocas), e também justiça distributiva, porque sem ela não se pode produzir a coesão social.
Precisa-se, pois, de um mercado com formas internas de solidariedade para criar a confiança mútua. Isso é o que falta na crise atual.
Mas por trás do mercado existem as pessoas, e são elas que têm um comportamento moral ou imoral. Por isso, disse o Papa, “não culpo o meio ou o instrumento, mas sim o homem, a sua consciência moral e a sua responsabilidade pessoal e social” (§36).
–Em uma imagem muito querida pelo Papa, o mercado, o Estado e a sociedade civil formam uma união em que a pessoa, livre e responsável, pode se expressar em termos de desenvolvimento integral. De que forma uma pessoa pode se comprometer para realizar o bem comum segundo a doutrina social da Igreja?
–Naudet: Esta questão das relações entre mercado, Estado e sociedade civil é central. O mercado passa pelo contrato, o Estado pelas leis justas e a sociedade civil pelo dom e gratuidade.
A sociedade civil é essencial para não fechar o homem entre o mercado e o Estado. A sociedade civil são órgãos intermediários ou “a personalidade da sociedade”, como dizia João Paulo II.
Mas, além do elogio da sociedade civil, a maior novidade de Bento XVI é a união dessas três ordens, tomando como objetivo o bem comum.
Quer dizer, que o dom e a gratuidade não se limitam à sociedade civil, mas também devem se desenvolver na área do mercado e da política, para promover melhor o bem comum; e inserir nesses dois mundos a gratuidade é inserir sal que dá sabor ao todo.
Uma pessoa pode-se comprometer de várias formas na sociedade civil, empresarial ou política, mas dom e gratuidade dão um verdadeiro sentido a este compromisso, ao colocar no centro o amor na verdade, que é o fio condutor da encíclica.
–Também existe uma crítica radical à ideologia tecnocrática e uma visão nova da importância da iniciativa empresarial como compromisso pessoal a serviço da comunidade. Poderia falar sobre esse aspecto tão particular e importante?
–Naudet: É essencial o aspecto relacionado com a ideologia tecnocrática, porque nosso mundo acredita que tudo está permitido desde que seja eficaz. Mas isso é o oposto da ética e significa acreditar que o fim justifica os meios.
Assim também se utilizam embriões como um simples material. Isso é puro utilitarismo e somente a ética pode permitir tomar boas decisões: o uso da técnica em si deve ser submetida à ética.
Considerando a iniciativa empresarial, Bento XVI fala em primeiro lugar do sentido do empresário, mostrando que sem ética a empresa está condenada, sobretudo quando está obcecada pelo curto prazo; tudo, tudo de uma vez, a qualquer preço, esta é a causa da atual crise.
E homenageia aos empresários que tem uma análise clarividente. Mas o que é mais novo é a ideia de que cada um de nós, cada trabalhador, é um criador, e não somente o empresário de forma estrita.
Assim, cada um deve ser tratado na empresa como se trabalhasse por conta própria, com o sentido de responsabilidade e de autonomia necessários: questão de dignidade, mas também de eficácia.
Ao respeitar as pessoas, estas darão o melhor de si e cada um deve então ser tratado na empresa como se fosse um verdadeiro empresário, quer dizer, um criador ao serviço dos demais.
–Em um artigo publicado em “L'Osservatore Romano”, o senhor afirma que a encíclica “abre formidáveis pistas de reflexão” e um “verdadeiro programa de pesquisa”. A que direções e perspectivas os católicos e pessoas de boa vontade estão chamados a olhar?
–Naudet: Cada nova leitura da encíclica abre novas pistas. Cada um deve encontrar as razões para modificar sua vida e um caminho de conversão, também em seu comportamento econômico.
Mas para os pesquisadores, os universitários, abre-se um campo considerável para encontrar as aplicações concretas das ideias do Papa.
Assim, esta noção de dom e de gratuidade no mundo do mercado e de política deve levar a reflexões, além dos comportamentos individuais, a novas formas institucionais.
Da mesma forma, ao abordar a questão, aparentemente muito elegante, da responsabilidade social da empresa, destaca que se a ética converte-se em instrumento de marketing, pode levar a seu oposto.
Ele recorda que a verdadeira ética se baseia em “dignidade inviolável da pessoa humana” e no “valor transcendente das normas morais naturais” (§45): a partir daqui, é preciso mudar todas as nossas concepções de gestão empresarial e trazer de volta o bom caminho da ética.
O mesmo acontece com o lucro, que é útil sim, como meio, se orientado a um fim que lhe dê sentido, tanto no modo de adquirir como de utilizar (cf. n. 21). Para repensar o significado do lucro, é preciso saber discernir o bom ímpeto lucrativo do lucro imoral.
Mas cada um poderá encontrar nessa encíclica as questões que afetam diretamente a si e levá-las para sua vida.
A doutrina social é, com Bento XVI, como já destacou João Paulo II, caminho de conversão e caminho de evangelização.
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